ALINE BEI
conforme a mãe contava as mesmas histórias pela enésima vez, a sua velhice ia se desprendendo
do corpo, adentrando
o quarto
como um homem que acorda do almoço
e agora se dirige ao campo, lentamente, o chapéu na mão.
a filha escutava tudo rente ao catre, carregava nos ossos esse Cansaço dos meses cuidando da velhice da mãe que era um pouco a sua, ao espelho
então eu serei assim, desesperada? repetitiva, pesada até para a Morte me levar de uma vez. avisou a mãe
que precisava Ir
ao mercado, lhe beijou a testa
posso morrer enquanto você não está, a velha pensou em dizer.
*
a filha caminhava distraída, o ar da rua
lhe fazia bem e mal.
bem porque ela ainda era moça, mal por ser cada dia mais raro
quando passou pela capela:
–Ei, Regina. como vai a sua mãe?
ela respondeu que:
–mais ou menos, vocês sabem.
espera, pediram
e lhe entregaram
um buquê de rosas:
–leve para ela, sim?
*
no bilhete
aberto pelas mãos do vento durante a caminhada
estava escrito: “que falta você faz no coro, ninguém canta salmos com tanta paixão. “
a Regina ficou desconcertada, não sabia
que a mãe cantava, mas
é assim mesmo
quando amamos algo, olhamos para a coisa tão de perto que
a Perdemos,
as relações verdadeiramente profundas não são mais do que um lago turvo de lembranças e
braços
se debatendo, para não se Afogar.
*
carregando pois essa novidade, “a mãe canta”, também a sacola de compras
e as flores
amarelas, rente ao peito
a Regina sentiu um desejo de
meu deus, comer as pétalas
para que elas
deslizassem
pela garganta
acalmando
o grito
quem sabe até formassem na barriga uma cama
aonde ela pudesse se deitar, enfim.
pensou: já que sou a única testemunha da Morte bicando o corpo da mulher que me trouxe ao mundo, então eu
mereço Sim
esse buquê (olhou pra ele)
mais
do que isso, eu
Preciso de alguma suavidade implícita
(sangue cremoso das pétalas)
entrou no quarto com a boca
amarela e
ânsia
–esse batom está apodrecendo você. – a Mãe avisou.